2006/07/31

TARSO GENRO: Calor y humanismo en el Derecho del Trabajo




I

A crise do Direito do Trabalho não é uma crisesomente do Direito e muito menos de uma parte específica do Direito. É uma crisede legitimação e da racionalidade do Estado Moderno. O Direito do Trabalho ocupou um papel decisivono processo de democratização material do Estado Moderno. Através dele, ocontrato social da modernidade fez os direitos da cidadania baterem nas portasda fábrica e através de um processo judicial específico, a desigualdade ficoumenos desigual. A crise do Direito do Trabalho é a crise do contrato social damodernidade na sua fase madura.
Jürgen Habermas diz com propriedade que, "emvista da carência democrática de legitimação, sempre surgem déficits quando ocírculo daqueles que tomam parte nas decisões democráticas não coincide com ocírculo daqueles que são afetados por essas decisões". Este,talvez, seja o grande painel histórico em que o atual Direito do Trabalho édesenhado.
A redução do espaço decisório da ação política, principalmente para oscidadãos comuns, é determinada não somente pela "força normativa do fático",imposta pela economia global (que induz certas reformas neoliberais), mas tambémé imposta por uma brutal hegemonia ideológica e cultural. Esta hegemoniasustenta a proposta das reformas, como exigíveis por um "caminho único", queestabelece uma identidade não contraditória, entre a "globalização" (verdadeira)e a existência (falsa) de uma só forma para a sua realização. O processo democrático em curso (e em crise),tem sido pouco aberto para absorver as demandas e interesses que emergem de umasociedade, cuja pluralidade aumenta com a própria decomposição da estrutura declasses da sociedade industrial tradicional. Sua conseqüência é o lançamento nodesemprego, na precariedade ou na intermitência, de extensos setores das classestrabalhadoras.
Na verdade, o modelo é autoritário e impugnainclusive qualquer "compartilhamento" para proporcionar uma transição com"transações", entre os diversos atores sociais: o pacto social-democrata foirompido; o movimento sindical ou capitula ou não é considerado; o modelo dedesenvolvimento, que sustentou o populismo progressista-modernizante, não temmais base social e "a disponibilidade para aceitar o fato de compartilhardepende, fundamentalmente, do sentimento de fraternidade: a terceira virtude datríade que inspirou a Revolução Francesa e que (...) segue sendo a maisdescuidada pela literatura jurídica". (Vid Umberto Romagnoli no suo livro del CES Espanha)
Um dos argumentos centrais da ideologianeoliberal para defender o seu modelo de sociedade - esgrimido tanto pela suadoutrina econômica como pelos seus formuladores na área do Direito - é aafirmativa de que haveria uma "redução do trabalho", que seria uma conseqüênciada revolução informático-eletrônica.
O fato é verdadeiro quanto à redução da necessidade do "trabalho vivo", dosmodelos da 2ª Revolução Industrial, mas ele é usado para encobrir um outroprocesso: a apropriação integral, pelo capital, dos benefícios da revoluçãotecnológica em andamento, sem qualquer base ético-moral e sem qualquer projetode integração social. Uma apropriação, aliás, que já foi integralizada e que vemeliminando a possibilidade de socialização dos benefícios desta revolução,através- por exemplo -de um aumento do tempo livre, comdistribuição social, fundada em normas públicas que imponham o emprego e ainclusão como prioridade.
A afirmativa da redução da necessidade do "trabalho vivo" traz, porém, no seubojo uma verdade: uma radical transformação do mundo do trabalho e uma crescentedesestruturação das comunidades operárias clássicas. Mas o "neoliberalismo e areestruturação produtiva não apontaram para a abolição nem o rechaço dotrabalho, senão para a polarização, a precarização, o desemprego estrutural, amarginalização dos sindicatos e o surgimento de novos movimentos sociais cujasdemandas não passaram pelo não-trabalho".
Permanece, pois,a centralidade do mundo do trabalho como um todo, para a reprodução social,centralidade esta que agora foi articulada de maneira inédita com uma violenta exclusão e semi-exclusão. Não é possível deixar de lembrar que ao contrário doque ocorreu em toda a história do Direito do Trabalho, este movimento hoje vemestimulado por reformas legislativas e jurisprudências "complacentes", numprocesso que tem uma teleologia: "libertar a acumulação de todas as cadeias impostas a ela pela democracia", já quea implementação do neoliberalismo só pode ser feita com autoritarismo e/ouatravés de procedimentos políticos manipulatórios.
II

Na economia neoliberal a ofensiva contra asociedade organizada toma o nome de "luta contra o corporativismo", supostamenteem defesa dos desempregados ou precários, por ela criados. O neoliberalismo, comesta ideologia, inaugura uma estranha cultura de luta contra "os privilégios":transforma as conquistas humanizadoras, que foram processadas no desenvolvimentocapitalista - e que ajudaram inclusive a mantê-lo - em "vantagens" vergonhosas.
Para fazer uma analogia histórica, seria como se depois das revoluçõesdemocráticas, dirigidas pela burguesia emergente, fosse atacada a neutralidadeformal do Estado como "privilégio" burguês, erigido ilegitimamente contra ofeudalismo, ou seja, transformando os direitos universais, que decorrem destaneutralidade e sedimentados por um longo processo de lutas, em privilégiosdescartáveis.
Baseada nesta verdadeira operação estratégica de desmonte da razão "ateoria neoclássica exige o desmonte do direito coletivo do trabalho que - àmaneira de um cartel - adulteraria supostamente o jogo de oferta e procura. Ocaminho jurídico para alcançar esse objetivo pode ser diverso: exige-se, porexemplo, o fim do efeito obrigatório dos contratos coletivos, permitindo-sevariante contratuais por conta do empregado individual. Na mesma linha depensamento situa-se a idéia de transformar o empregado em participante ou sócio,para libertar-se, assim, de uma vez por todas do direito do trabalho,essevírus que muda de figura a cada novo dia, parecendo ter escapado doslaboratórios de engenheiros genéticos e de especialistas em armas biológicas."
É de se destacar que os ataques ao Direito do Trabalho em geral e ao DireitoColetivo em particular também têm razões de fundo. O apelo neoliberal - àsemelhança do nazismo que é a mais grave forma de irracionalismo - necessitaformar uma base social, para articular interesses e promover a sua sustentaçãopolítica.
Para a formação desta base seus ideológos buscam cooptar os setores do mundodo trabalho mais desorganizados, já que estas frações, que têm menos experiênciae pouca tradição de luta, são as mais sensíveis ao utopismo neoliberal domercado perfeito. Lembremos que "entre os operários que conservaram seu trabalho(mesmo) o nazismo não logrou implantar-se".
De outra parte, uma certa "leitura" judicial da Constituição, que vem sendoimposta pelos Tribunais no curso destas reformas, é fundamental para o sucessodo projeto. Desta maneira "a questão política não é gestionada diretamente pelaclasse política, pois se confia a um ‘terceiro mediador’: o ConselhoConstitucional, cuja primeira tarefa é operar uma ‘tradução’,em termos jurídicos, de todos os aspectos da questão para convertê-la emproblema jurídico, podendo tratar-se segundo as regras, princípios e técnicaspróprias dos debates jurídicos".

O Direito do Trabalho "despolitiza-se" e aextinção de direitos torna-se uma operação "técnica". Ela passa a ser umasimples adaptação das relações de trabalho à acumulação predatória do capitalvolátil, sem que os seus próprios agentes políticos desgastem-se emdemasia.
III

O Direito do Trabalho, portanto,encontra-se- face a sua instrumentalização pela economia neoliberal -numa encruzilhada, pois ele está se tornando um direito não-contraditório. Estáfazendo valer exclusivamente a sua face (fria) de instrumento de mercantilizaçãoda força de trabalho e apagando a sua outra face (quente), afirmadora dedireitos originários dos interesses das classes trabalhadoras. Trata-se de umaafirmativa aparentemente vulgar, mas que não pode ser evitada, para que se possadialogar com seriedade sobre o seu futuro.
Esta afirmativa enseja as seguintes perguntas: será o Direito do Trabalho ummero servo da economia e refletirá, por "necessidade", apenas os seusmovimentos? Ou terá ele umpotencial emancipatório- como eraperceptível até adécada de setenta -quando uma das suasfaces (a que contempla otimisticamente o futuro, ao contrário do Anjo de Klee)regulava e interferiana espontaneidade econômica, contra os seusaspectos mais desumanos?
A análise feita por Bloch, relativamente às duas correntes existentes dentro do marxismo, uma "correntefria" (a do stalinismo centralizador e autoritário) e uma "corrente quente" (doluxemburguismo espontâneo e democrático)- mesmo que não concordemos comMarx e Bloch - serve como metáfora, para que nos posicionemos sobre a evoluçãodo Direito do Trabalho e sua crise atual.
A "corrente fria" do Direito doTrabalho, que está hoje se impondo politicamente em amplos segmentos da doutrinae em jurisprudência majoritária (de inspiração indireta nomarxismo-economicista), parte daidéia da adequação das relações de trabalho e do seu sistema de proteções-tanto do Estado de Direito como do sistema econômico - ao "ajusteestrutural": a economia comanda mecanicamente a superestrutura jurídica queresponde de maneira "inevitável".
Para este ajuste é necessário que o processo econômico "objetivo" sejaconcebido como um conjunto de novas formas de produzir e de processar o controlesocial, que - segundo os seus apologetas - gera um "caminho único" para toda ahumanidade. Este caminho, que adequa também o sistema jurídico, é o queviabilizaria a maximização da acumulação através de um novo ciclo dedesenvolvimento, que Adam Schaff designou como o período do "capitalismoinformático". O "caminho único" inspira a reforma do Estado, que foidesenvolvimentista e social-democrata, para conformar um Direito do Trabalho dedesregulamentação.
A "corrente quente" do Direito do Trabalho,hoje em franca minoria em todo o mundo (inclusive pela mudança de opinião damaiorparte dos seus mais brilhantes defensores), parte do pressuposto deque as mudanças atuais na economia e na produção são mudanças históricas. Elas -segundo esta posição -são contingenciadas por uma revolução tecnológicaque ainda não alcançou o seu apogeu. O Direito do Trabalho - deste ponto devista - faceaos devastadores efeitos sociais do "ajuste", ainda permanececomo um instrumento de regulação defensiva: um instrumento de conquista emanutenção de direitos dos trabalhadores, com as mesmas características efinalidades que cumpriu na transição da primeira para a segunda RevoluçãoIndustrial.
No primeiro caso ("corrente fria"), temos avinculação do Direito do Trabalho ao que se pretende como "necessidadesobjetivas" da economia e a disciplina deixa, em maior ou menor grau, devincular-se à ordem estatal como totalidade. Não se "contamina" com osprincípios constitucionais e com o programa implícito ou explícito na ordemconstitucional: neste caso, os direitos dos trabalhadores compõem um feixeseparado de direitos, relativamente aos direitos e princípios que informaram aemergência da cidadania moderna.
O TST tem uma decisão memorável, nesta direção, numa ação rescisória cujadecisão tornou-se emblemática:"A Ação Rescisória, segundo o art. 489 do CPC,não suspende a execução da sentença rescindenda. Essa disposição, aplicada noâmbito do processo trabalhista, requer interpretação cautelosa -diz o acórdão- tendo em vista que oempregado nem sempre tem condições econômico-financeiras de repor o que houverrecebido na execução’.O que está dito aqui é que esta norma tutelar - queprotege o cidadão aparelhado com uma decisão judicial transitada em julgado -não pode ser aplicada em favor do trabalhador subordinado em face de suapresumida pobreza. A norma legal que assegura a continuidade da execução valepara uns e não vale para outros! Não vale para aqueles que o direito diz quemais necessitam de uma tutela jurisdicional efetiva".
Cabe lembrar - em confronto com esta posiçãodo TST -a valiosa lição de Pinho Pedreira: "a unidade da ordem jurídicaestatal supõe um conjunto de princípios fundamentais na base de todo o Direito enesses princípios se reúnem o Direito Civil e o do Trabalho. Admitir o contrárioseria destruir as normas básicas da ordem social, equivaleria a pensar, porexemplo, que em matéria de trabalho poderiam não ter aplicação as regrasderivadas das garantias individuais".
No segundo caso ("corrente quente"), temoscomo centro da reflexão e da "práxis" a condição do trabalhador vinculada aoâmbito total da ordem estatal. Esta vinculação estabelece uma proximidade cadavez mais concreta, da sua condição básica de "vendedor da força de trabalho" -que o trabalhador é - com a sua condição estrutural de cidadão, proximidade estaque transfere, para a condição do trabalhador, os direitos fundamentais dacidadania moderna. Uma passagem da melhor doutrina espanhola sintetiza aposição: "O TC procedeu, comefeito, à aplicação direta dos preceitos constitucionais à relação de trabalho,solucionando o problema processual prévio a respeito da eficácia mediata dosdireitos fundamentais entre privados, e, com o apoio da cláusulaantidiscriminatória, cuja virtualidade é dinamizada e estendida por suajurisprudência, realizou fundamentalmente um verdadeiro "trabalho de pedagogiasocial" ao afirmar que a empresa não é um ‘território impenetrável’ àsliberdades públicas dos trabalhadores". (Vid. Antonio Baylos: Derecho del trabajo, un modelo para armar, Trotta)

Ao contrário da interpretação constitucionalfrancesa e espanhola, que através do Juiz, normalmente "reescreve" aConstituição, para afirmá-la, os Tribunais do país atualmente reduzem a forçanormativa da Constituição. Os Tribunais esquecem, perigosamente, que aConstituição é fruto de um compromisso entre classes e que tal reduçãodeslegitima a própria ordem jurídica, enquanto totalidade. Esta deslegitimaçãosuprime do compromisso "a criação de um espaço aberto ao reconhecimentoindefinido dos direitos e das liberdades", pondoem perigo a democracia- à medida que reduz a sua respeitabilidade, a sua"norma fundamental" - e a própria Constituição.
A crise do Direito do Trabalho é um dosaspectos centrais da crise da modernidade e um aspecto decisivo da crise doEstado. Do destino que daremos a este impasse muito dependerá a capacidade deresistência à barbárie. Os juristas e operadores do Direito - sua consciênciamais, ou menos, vinculada aos valores do racionalismo crítico que tem suasraízes na Ilustração e no Iluminismo -têm um protagonismo essencial nestecontexto: o neoliberalismo é a irracionalidade regrada pelo mercado e o Direitoque lhe sustenta não conseguirá legitimar-se. Esta ilegitimação compromete aprópria democracia.

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