2006/06/12

BISMARCK DUARTE DINIZ: Desde Brasil sobre la flexibilización


Os movimentos da classe trabalhadora por um reconhecimento mais amplo de seus direitos individuais e sociais foram, e ainda são, uma realidade. A história do sindicalismo tem demonstrado, nos seus vários períodos, as lutas e reivindicações dos trabalhadores para assegurar melhores condições de vida, tentando, através do reconhecimento de direitos fundamentais, diminuir a exploração do homem pelo homem.
O momento que vivemos assemelha-se à questão social surgida quando a força muscular do homem pôde ser substituída pela máquina. Os postos ocupados por vários trabalhadores passaram a necessitar de um número menor de trabalhadores, que, com o auxílio da máquina, desempenhavam o mesmo trabalho. Isso ocasionou um processo de urbanização e desarticulação social, provocando o desemprego agrícola e artesanal, atividades nas quais trabalhava a maioria da população. Houve uma crescente exploração dos trabalhadores, que eram em número superior às necessidades nas fábricas, contribuindo para o empobrecimento da população. Nasciam a classe capitalista e a classe proletária sob o silêncio e proteção do Estado Liberal, que, sob o aspecto formal, postulava a garantia da liberdade e a igualdade.
Vejamos. O estabelecimento dos chamados direitos fundamentais do homem, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade foi ratificado pela Assembléia Nacional da França, quando da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, como forma de assegurar à burguesia o exercício de seus direitos, principalmente o de propriedade, sem interferência por parte de qualquer pessoa ou entidade, inclusive o próprio Estado. Acerca da defesa dos direitos individuais do trabalhador, não houve por parte da Declaração Francesa qualquer tipo de regulamentação que restringisse o princípio de liberdade do homem para contratar os serviços de outro homem, para não romper com as idéias individualistas e liberais predominantes neste período, e que se estenderiam ao século XIX.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão fixou os princípios do direito individual e do liberalismo econômico e político1 . As normas de direito nela presentes protegiam os interesses da Nação e dos indivíduos particulares, mas não reconheciam a liberdade de coalizão, que foi proibida pela Lei Le Chapelier, de 14 de junho de 1791.
A Revolução Industrial promoveu profundas mudanças nas relações de trabalho. Tivéssemos alguma testemunha daquelas alterações para prestar seu depoimento, certamente dela ouviríamos que houve desemprego, e sem qualquer proteção por parte do Estado, quando Édison inventou a lâmpada e as fábricas de velas perderam boa parte do mercado consumidor, ou quando Ford colocou os automóveis nas ruas e as fábricas de carroças fecharam, ou quando Graham Bell pôs a funcionar o telefone e a telegrafia perdeu grande parte de sua mão-de-obra. No futuro, quando dobrar o primeiro século do terceiro milênio, alguma crise social grave deverá estar por aí, desempregando, por novos conflitos. Este é o retrato cíclico da história da humanidade.
Vivemos a era do mundo globalizado , que é um fenômeno econômico que tem atingido a todos, sobretudo após o final da Segunda Grande Guerra. DE MASI (1999, p. 186 passin) afirma que uma houve uma dezena de processos de globalização; contudo, para efeitos didáticos, elencaremos quatro:
a) a primeira foi a do Império Romano dominando o mundo conhecido do Oriente;
b) a segunda, a das grandes descobertas dos séculos XIV e XV, no apogeu de Portugal e Espanha;
c) a terceira, a do liberalismo e das mudanças sociais do século XIX, geradoras, mais tarde, da doutrina social da Igreja, marcada pela Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII;
d) a que vivemos registra a presença das transnacionais, a cosmosociedade de que fala Collierd.
À medida que a economia deixou de depender da produção do solo, ela deixou de ser economia nacional. A partir do momento em que ela passou do solo para a ciência, para a tecnologia e para as telecomunicações, a terra arável, as fronteiras, o mar e a terra perderam a importância que tinham, e a economia passou a ser parte de um processo mundial de globalização.
A globalização da economia não é apenas um conceito, e sim o resultado de transformações fundamentais na economia mundial. Mesmo nos casos em que países continuaram a conservar sua qualidade de Nação, eles começaram a transferir setores de suas economias para mãos privadas, porque a privatização não é apenas um conceito, é resultado de um processo.
Vivemos numa fase de grandes transformações muitas vezes apresentadas sem justificação ética, moral ou paradigmaticamente justas.
Uma das crenças mais perversas do neoliberalismo, que agride a memória social da humanidade, é que o direito do trabalho constitui um anacronismo em si mesmo e que o avanço do capitalismo em um mundo globalizado somente se torna possível mediante o retorno à contratação da força de trabalho pelas regras do direito civil: ao invés da oxigenação do princípio da proteção, o império da autonomia da vontade.
Esquecemos que as desigualdades socioeconômicas, a pretexto do exercício da autonomia da vontade, não promovem a liberdade entre os homens, mas acirram a opressão do mais forte sobre o mais fraco e atentam contra a dignidade humana.
Desta forma, no jargão ideologia sem ideologia está implícita a razão de ser do princípio da proteção; os titulares do poder econômico-financeiro se convertem em forças produtivas; os trabalhadores, em contingentes de insatisfações; as demissões desmotivadas, em estratégias de políticas industriais; o desemprego, em políticas de compensações de corajosos planos de desenvolvimento. E assim, a flexibilidade ingressa soberana no nosso cotidiano.
Quero frisar que os argumentos neoliberais para a flexibilidade do Direito do Trabalho não se encontram ideologicamente imaculados, seja no plano dos paradigmas, seja no plano dos fatos. Impõem-se ao irreversível processo de capitalização das relações humanas, que expressam a conformidade política para com uma específica etapa desse processo, o mais desumano de todos eles, concernente ao momento histórico em que se propõe a livre circulação do capital no mundo sem quaisquer constrangimentos institucionais.
As alterações que vêm ocorrendo na atualidade levam a uma das principais preocupações enfrentadas pela sociedade e pelos governos, o desemprego, que pode ser comparado à questão social surgida após a Revolução Industrial, na medida em que os antigos paradigmas do processo produtivo são substituídos por outros.
Os fatos dessa crise hodierna podem ser atribuídos à globalização da economia, a uma evolução tecnológica que revoluciona as formas de trabalho, alterando o status quo dos profissionais em geral, à modificação da forma de Estado tradicional, onde há uma crescente regionalização, com formação de blocos e integração entre países, à falta de políticas sociais compatíveis com as mudanças geradas e às necessidades emergentes, entre outras.
Muito se tem dito sobre a necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas, porque o engessamento que impõe a legislação pátria serve como impedimento às novas contratações, à ampliação da oferta de empregos no país. É verdade que é necessário atualizar a legislação, inclusive flexibilizá-la, já que o Brasil, como membro do MERCOSUL, e os demais Estados-Membros, deverão harmonizar a legislação trabalhista para oportunizar igualdade entre os trabalhadores do bloco. E sem flexibilizar, possivelmente, será impossível 8.
É importante não esquecer, porém, o ensinamento histórico da exploração do homem trabalhador, quando da busca do lucro exacerbado por parte dos empregadores. O princípio protetor constitui a própria essência do Direito do Trabalho. De fato, foi a partir da idéia da intervenção do Estado, com o objetivo de amenizar o desequilíbrio de poder entre empregado e empregador na relação laboral, que a regulação do trabalho passou a ter um traço distintivo das regras de Direito comum. As atuais circunstâncias direcionam qualquer análise acerca do tema a um caminho diverso: deve-se tratar da pertinência do princípio protetor como um paradigma do Direito do Trabalho?
Essas mudanças são de tal ordem, de tal magnitude que, em face da aceleração dos movimentos de integração, o próprio conceito de soberania flexibilizou-se e estamos vivendo, na Comunidade Européia, a soberania compartilhada, na qual os Estados, antes absolutos, compartilham sua soberania com um órgão supranacional. Sem esquecer, em meio a todas essas alterações, a possibilidade de estarmos ante o que se poderia chamar de soberania globalizada ou de globalização da soberania, à medida que nos defrontamos com os perigosos meandros da influência de entidades econômico-governamentais, como o FMI, e não governamentais, como o Clube de Paris.
Trata-se da chamada globalização econômica. No entanto, nada mais é do que uma abertura neoliberal dos mercados nacionais em prol da interdependência econômica entre os Estados filiados a esta corrente capitalista de desenvolvimento aplicado. Do ponto de vista filosófico, nada de novo foi acrescentado ao modelo mercantilista que impressionou os povos da Europa do início do século XVI ao XVII, quando, então, a navegação marítima, impulsionada por uma tecnologia de ponta, parecia ter realizado o sonho da unificação dos mercados da Europa com o resto do mundo. Com os satélites, telefonia móvel, cabos eletrônicos de fibra óptica e outros acessórios de informática, o processo de globalização obriga a modificar o paradigma das relações internacionais. Várias áreas de decisão, como o campo social, a economia, o meio ambiente, a política e a área cultural, que sempre pareceram atinentes ao campo nacional, passam a ser considerados assuntos internacionais. O Estado Nacional está diminuindo, passa a se constituir em um ato secundário de um sistema maior - o sistema global.
Os Estados nacionais devem abrir-se aos princípios determinados pelas organizações internacionais: o livre mercado, a iniciativa privada, a liberdade econômica, a saída do Estado do controle de qualquer âmbito que possa ser explorado pela iniciativa privada, a desregulamentação. Estas regras são as que determinarão o auxílio ou não das agências internacionais de crédito, como o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Neste mundo altamente influenciado pela tecnologia, no qual o Brasil busca inserção, e nós, seus habitantes, procuramos encontrar nosso espaço, como ficam as relações de trabalho, e, sobretudo, os princípios que histórica e doutrinariamente constituem o Direito do Trabalho?
Com o agravamento do desemprego, os partidários do neoliberalismo difundem idéias flexibilizadoras das normas trabalhistas como forma de aumentar o número de empregos. Justificam a diminuição e/ou supressão das obrigações dos empregadores, dos encargos sociais, como a única maneira de ampliar postos de trabalho. Não é por acaso que se coloca por terra um direito protetivo, as normas de direito público, a impositividade do Direito do Trabalho. Essa política flexibilizadora se dá justamente para atender às determinações de um processo globalizador que promete conseqüências benéficas e prosperidade, permite que os países participem das grandes inovações tecnológicas, abre as fronteiras para os investimentos, para os financiamentos e para o comércio internacional, em troca do afastamento do Estado das questões trabalhistas e sociais.
Como conseqüência da inserção do Estado no sistema global é necessário que se façam os ajustes, que se atendam às determinações de um processo, à ausência de regras. Tem-se, dessa forma, a volta da liberdade entre empregados e empregadores, a igualdade entre as partes, que livremente contratam as regras de seu contrato, sua jornada, seu salário, suas horas extras, entre outros, como meio de fomentar a ampliação de empregos; porém, o pano de fundo é o processo globalizador, que determina as regras do jogo. Percebo que a proteção jurídica do trabalho, do momento inicial da concepção tutelar, cedeu lugar, desde meados dos anos 1960, a uma concepção autotutelar, caracterizada pela flexibilização.
Essas alterações são, sobretudo, originárias de causas estruturais e conjunturais. As causas conjunturais, ao meu ver, decorrem dos encargos sociais, das diferenças cambiais, das taxas de juros, da falta de investimentos no campo. As estruturais são a globalização da economia, a falência do Estado, a obsolescência do Direito. E quais são as alterações que verifico, geradas por essas causas? Conjunturalmente, as crises econômicas; estruturalmente, as novas tecnologias. E a conseqüência? A necessidade de rever a postura dos cientistas sociais, dos dirigentes das organizações públicas e privadas, dos líderes políticos e comunitários. Ora, esse quadro pincelar oferece uma macro visão do mundo.
Na sociedade atual, os parceiros sociais têm tentado encontrar meios para solucionar seus conflitos, suas divergências e suas necessidades.
O trabalhador busca uma ocupação onde possa obter recursos para sustentar a si e a sua família. Muitas vezes abdica de certos privilégios e previsões legais para poder sobreviver com o mínimo de dignidade. Por isso, o Direito do Trabalho cogita de flexibilizar as normas que protegem o trabalhador, para poder, ao cabo, garantir a sua sobrevivência. Deve, contudo, haver a preservação de um standard mininum que lhe proporcione (ou, em muitos casos, restitua) a dignidade. Dessacralizar mesmo as memórias mais caras de acontecimentos ou fatos do século XX é a desfaçatez intelectual do revisionismo. O ramo jurídico mais exposto a incursões corsárias é o de Direito do Trabalho.
Aos olhos dos críticos hodiernos do capitalismo, a globalização confirma a persistente validade da intuição que relampejou Friedrich Hayek, em "O Caminho da Servidão" (1944), considerado arauto da globalização porque ali descreve cenários de que não havia quaisquer vestígios: a indústria de base que declina, Nações que são obrigadas a satisfazer a exigência de adaptar-se ao mercado global, processos econômicos que se desenvolvem de maneira incontrolada em nível planetário. Enfim, tinha compreendido com grande antecedência que a sociedade transformada pelo capitalismo está destinada a se tornar, pelas tendências aprisionadas de longo período, o modo industrial de produzir em uma fase temporária na história da humanidade, destinada a ser substituída por uma fase no decurso da qual codificar-se-ia uma outra sociedade. Um mundo semelhante àquele que está crescendo sob os nossos olhos. Uma sociedade anunciada, portanto 19. Não obstante isso, diante dela sentimo-nos indefesos. Estamos desorientados. Forçosamente. Não tendo a filosofia otimista da história que sustenta Marx e Engels, corremos o risco de permanecer esmagados por um profundo pessimismo cósmico. Globalização é uma palavra que compete com palavras como flexibilidade e com o neoliberalismo. Em tudo isso não há nada de conjuntural e extemporâneo.
Na realidade, o neoliberalismo não é senão a síndrome da crise não resolvida do Estado tardio-liberal do século XIX e, portanto, não é outra coisa senão um neologismo para exterminar o legado hereditário do melhor sindicalismo euro-continental que, de Weimar em diante, lutou para dar vez às classes mais fracas, para redistribuir poder e riqueza.
Antes que a palavra globalização, entendida como forma extrema de flexibilidade de todos os fatores produtivos, contaminasse, no dizer de Umberto Romagnoli, a linguagem dos juristas, até há poucos anos, na Europa, do Direito do Trabalho se falava todo o bem possível.
Dizia-se que é um dos poucos exemplos indubitados do progresso da cultura jurídica moderna porque forçou os ordenamentos dos Estados - e indicou as doutrinas jurídicas - a não perder de vista que, enquanto todos os contratos têm em vista somente o ter das partes, o contrato de trabalho tem em vista, em primeiro lugar, o ser do trabalhador. Dizia-se que o trabalho era o Direito do século, porque o século XX era o século do trabalho, da busca dos equilíbrios que correspondessem à necessidade - se não a intenção - de colocar o trabalho assalariado e o capitalismo industrial em uma relação de condicionamento recíproco em vista de vantagens recíprocas.
O século XX foi o século breve: começou tarde, terminou logo.
O Direito do Trabalho está atravessando um processo de adaptação a uma situação alterada, na qual os trabalhadores estão aprendendo a pretender a restituição da capacidade de autonomia privada coletiva, necessária para a gestão dos próprios interesses, sem paternalismos legais nem garantismos coletivo-sindicais.
Acredito que a flexibilização nas relações de trabalho não só transfere para os trabalhadores boa parte dos riscos empresariais (toyotismo) como os transforma em seus próprios algozes. São eles responsáveis pelos bons resultados da exploração da própria força de trabalho e pelo recolhimento da mais-valia dela resultante. Todos esses sentidos (flexibilidade de formas de contratação, de dispensa, de tempo, de local, de função) soam como ineludível indício de ruptura de paradigmas. O paradigma do Estado Social transposto para o Direito do Trabalho, que se baseou na proteção de condições de trabalho da organização taylorista/fordista, não é mais suficiente para responder às mudanças sociais, políticas, ideológicas e tecnológicas do nosso tempo.
No paradigma democrático, a fixação de linhas diretivas e de princípios de natureza teorética, necessários para a admissão de uma flexibilização com ele compatível, postula, talvez, um modelo completamente novo de práxis científica.
Nesse modelo devem incluir-se não somente outros métodos utilizados pela sociologia, economia e filosofia, como também com outros ramos do Direito, em especial o Direito Constitucional, principalmente mediante a resolução de antagonismos entre princípios, ou entre princípios e regras, pois a interpretação do Direito material e processual do Trabalho não tem possibilitado essa integração.
Via de conseqüência, os problemas do Direito Constitucional do Trabalho não podem ser equacionados se os arquétipos paradigmáticos continuam a ser os do Estado liberal, ou mesmo do Estado social, este, porém, fundado na organização do trabalho segundo, exclusivamente, o modelo taylorista/fordista.
Eis porque novos conceitos (telecomutação, trabalho informal, trabalho precarizado, subordinação jurídica, dentre outros) precisam integrar-se no ordenamento jurídico ou ser por ele revistos, pois o reconhecimento da realidade e o seu redirecionamento pelo Direito dependem primeiro do estudo de características, conceituação, previsão e conformação legal a certos requisitos, e do estabelecimento de mecanismos de proteção jurídica.
O paradigma do Direito do Trabalho está em ruptura. Ele não responde às necessidades de se fazer um Estado social fundado na universalidade de direitos e não nos direitos de corporações regidas por contratos de trabalho.
O Direito do Trabalho do século XX já entrou em rota de colizão com uma invisível lex mercatoria que, redesenhando a geografia econômica inteira, ameaça desnacionalizá-lo, não tanto no final de um processo de adequação transnacional orientado à conservação da sua identidade originária, mas sim no final de uma ruinosa concorrência para o rebaixamento entre os direitos nacionais.
Umberto Romagnoli afirma:
"morrerei convencido que as democracias são devedoras para com o moderno Direito do Trabalho porque - se sobreviveram no século da revolução industrial e até se expandiram, consolidaram, aperfeiçoaram - devem-no à estabilidade social que o Direito do Trabalho contribuiu para assegurar-lhes, introduzindo medidas compensatórias aos inquilinos que ocupam os andares baixos do edifício social" (ROMAGNOLI, 2001, p. 28).
O homem-trabalhador deve ser visto como o sujeito-fim e não objeto-meio do desenvolvimento. Não devemos pensar em criar mais direitos, mas dar garantia para a eficácia dos que já existem. Como alerta Norberto Bobbio, "o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político." (BOBBIO, 1992, p. 24).
Devemos ter como paradigma os princípios do Direito do Trabalho apresentados por Plá Rodriguez: protetor, irrenunciabilidade, continuidade, primazia da realidade, razoabilidade e boa-fé. Contudo, a questão pontual é que o homem começa a se internacionalizar, globalizar, mundializar. E a ter menos importância para a humanidade que a própria máquina que ele criou. Talvez humanidade que a própria máquina que ele criou. Talvez aqui esteja o maior equívoco: ao criar a máquina, o homem, ser imperfeito, não o fez à sua imagem e semelhança, por isso corremos o risco de não conseguir alcançar o verdadeiro sentido de um verbo menos importante que é misericordiar, mas que exige a nossa reflexão.
Os paradigmas da flexibilização são os mesmos que embasam o Estado Mínimo. O distanciamento do aparato estatal da proteção do trabalhador é visto pelos defensores da flexibilização como um avanço da democracia, no sentido de que são agora não mais os trabalhadores, classe oprimida, mas sim cidadãos, os partícipes da negociação contratual. É o cidadão quem deve dizer o que é melhor para ele, e o Estado somente prejudica essa cidadania intervindo nas relações sociais, ao ponto de sufocar a iniciativa no campo econômico.
Já os que são contrários à flexibilização, entre os quais me filio, vêem nos seus fundamentos um retorno ao Estado liberal, que não levava em conta a igualdade substancial, mas tão-somente a igualdade formal.
O fundamento histórico e ideológico da flexibilização está na derrocada do socialismo (que embasava a sustentação do paradigma da igualdade substancial implantado no Estado Social); o fundamento econômico, na revolução tecnológica (que possibilitou expansão do capital pela via das comunicações e vem incrementando a substituição do homem pelo robô); o fundamento social, na nova organização, ou reestruturação do trabalho na forma toyotista de produção (que inviabiliza a noção de classe); o fundamento político, na crítica à ingovernabilidade das democracias baseadas no Estado keynesiano e no mercado de votos.
O conjunto desses fundamentos faz com que os conceitos, institutos e fundamentos do Direito do Trabalho sejam insuficientes ou inadequados para as novas relações de trabalho e, ante a falta de um modelo a seguir, a flexibilização apresenta-se como a solução que põe fim à inadequação deste ramo jurídico, acabando com ele e transferindo a resolução para a esfera privada.
A flexibilização, como decorrência de uma ruptura paradigmática, faz com que o princípio protetor do Direito do Trabalho (norma mais favorável, condição mais benéfica e in dubio pro operário) deixe de ser apenas um ato de emendar ou não a Constituição, e passe a ser o enfrentamento das conseqüências dessas propostas sobre os direitos fundamentais de sustentação do Estado democrático.
Voltemos nosso olhar e nosso pensamento para o futuro do mundo.
No momento em que a capacidade estatal de garantir a segurança dos cidadãos começa a ser rompida, em que a mundialização da economia enfraquece o Estado e começa a se questionar a existência mesmo do Estado Nacional, em que a soberania cede lugar a forças transnacionais que rompem todos os padrões de respeito pela pessoa humana, precisamos refletir sobre nós, as nossas instituições e o nosso futuro, antes que ele chegue e termine.
A proposta de desestadualizar e desterritorializar o governo do mercado de trabalho é mais perigosa do que possa parecer. Seguramente, não é senão uma tardia reação à frigidez social de instituições desestadualizadas e desterritorializadas como o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial para o Comércio, sobre cuja praxe operacional a OIT demonstrou não estar em condições de influir.
Por isso, agrada-me interpretar que a Resolução de 18 de junho de 1998 da OIT é essa testemunha que a estação dos direitos nacionais está terminando por manifesta inadequação da soberania territorial dos Estados em fazer valer as razões universais dos valores humanitários; ao mesmo tempo nos indica a esperança que possa iniciar a idade da sua desnacionalização.
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